Carlos A. Ribeiro, Diretor Executivo do Laboratório da Paisagem
As cidades assumem hoje um papel essencial na resposta aos principais desafios ambientais com que nos deparamos. A liderança pelo exemplo e a forma como nos preparamos para o futuro, é determinante para uma gestão mais adequada dos nossos recursos.
A estes objetivos, há um outro que nos deve nortear, o de promovermos estratégias que garantam o envolvimento de diferentes stakeholders, do setor público ao setor privado, da academia aos cidadãos.
É neste contexto que os modelos de governança, assentes em estratégias participativas, se assumem como determinantes. Modelos que sejam capazes de centrar a sua atuação no cidadão, fazendo destes atores principais na transformação e evolução da sociedade, comprometidos pela mudança.
Sabemos que o mundo se transforma a cada momento, e que somos desafiados a encontrar soluções que garantam a nossa sobrevivência e a proteção dos nossos ecossistemas. Aliás, dúvidas houvesse, a atualidade tem-nos demonstrado isso mesmo. Verdadeiros testes à nossa resiliência, à capacidade de nos reinventarmos e de respondermos perante as adversidades.
Há uns tempos, num texto que tive oportunidade de escrever, motivado por uma recente leitura, fazia uma analogia sobre o discurso do malogrado escritor David Wallace (ndr.“This is Water”) de que “as realidades mais importantes são também as mais difíceis de ver”, como as questões ambientais. Fazia-o, por reconhecer que é premente que as cidades se posicionem na discussão sobre a mudança e a transformação, liderando pelo exemplo. Apostando no conhecimento científico, na educação e formação ambiental, na investigação, inovação e desenvolvimento, contribuindo para que possamos antecipar metas e consigamos “transformar do local para o global”, como não raras vezes nos repete o emérito professor Mohan Munasinghe, presidente do Comité Externo de Acompanhamento de “Guimarães 2030 – Estrutura de Missão para o Desenvolvimento Sustentável.
Muitas vezes, podemos ter a tentação de achar que não seremos capazes de mudar o mundo de uma vez, mas a verdade é que seremos sempre capazes de corrigir muitas das nossas atitudes e, com isso, contagiar os outros, contribuindo para a transformação que defendemos.
No seu mais recente livro, Bill Gates escrevia algo idêntico ao assumir a importância de todos fazermos parte “(…) na verdade todos podemos fazer alguma coisa enquanto cidadãos, consumidores ou trabalhadores” bem como sobre a importância de em todas as decisões, se “pense(ar) a nível local e nacional”.
Contudo, saibamos que esta mudança só se conseguirá com envolvimento e compromisso. Com uma aposta clara das cidades e dos executivos municipais na ciência, como instrumento essencial para a construção de um futuro mais próspero. Só com uma base sólida, sustentada pelo conhecimento científico, poderemos contribuir para decisões mais assertivas e estruturantes. E esta receita surtirá efeitos positivos, independentemente do contexto territorial que analisemos. E, mais do que isso, será a “pedra de toque” para comprometermos os nossos cidadãos, numa transformação que se têm de realizar “com eles” e não, “apesar deles”.
Liderar pelo exemplo é acreditar que não basta exigir, mas é necessário ser a locomotiva da mudança. O poder das cidades é, afinal de contas, um poder demasiado impactante para que seja desperdiçado. Saibamos fazê-lo através da criação de sinergias que nos aumentem o conhecimento e a rede de ação, como aliás as redes de cidades criadas no âmbito das Cidades Circulares o parecem demonstrar.
Ao invés de nos escondermos nas nossas “trincheiras”, saibamos partilhar o conhecimento e a experiência, contribuindo para o reforço da proteção do nosso património natural, para o eficiente metabolismo das cidades e para a melhoria da qualidade de vida dos cidadãos.
No Laboratório da Paisagem assumimos esse compromisso, como Centro de Investigação e Educação, procurando a integração do conhecimento técnico do município e o conhecimento científico das nossas universidades, mas sempre com o objetivo primeiro de colocarmos o cidadão no centro da nossa atuação.
Na Rede CApt2, que temos a honra de liderar, é também isso que procuramos. O desenvolvimento e aplicação de um modelo de governança local que motive a discussão dos desafios da circularidade da água, e que responda às principais preocupações dos seus membros. Também por isso, assumimos como fulcral a integração de parceiros com diferentes contextos sociais, económicos, ambientais e geográficos, como forma de permitir uma partilha de conhecimento que contribua para uma visão conjunta sobre a circularidade da água.
Aliás, diria que são estas diferentes características, e que se têm tornado ainda mais evidentes à medida que o conhecimento mútuo cresce, que torna este projeto ainda mais desafiante e promissor. Se é verdade que os desafios são distintos, não será menos verdade que a sua resolução tem de estar assente nas premissas que atrás referia: o envolvimento e comprometimento dos cidadãos, dos parceiros locais, do setor público e do setor privado e da Academia.
A atualidade tem deixado à evidência que a gestão eficiente da água, como recurso essencial, mas finito, é fundamental. Diria até que, mais do que fundamental, é um desafio que não pode mais ser olhado de soslaio. O investimento na transição para uma economia circular, na descarbornização, na transição digital será crucial para construirmos cidades mais prósperas e sustentáveis.
A verdade é que o papel das cidades é, muitas vezes, subvalorizado, pelo que o desenvolvimento de estratégias que resultem na promoção do conhecimento científico e de sinergias, mas essencialmente, no reforço da sua capacidade de atuação, serão sempre elementares.
Volto ao ponto de partida.
É essencial que as cidades assumam que liderar pelo exemplo é atuar como um agende de mudança, como um agente transformador. Para isso, será basilar suportarmo-nos na ciência, sabendo que algumas vezes também nos cabe a obrigação de a descomplexar, para a tornarmos mais próxima dos cidadãos, sem que isso signifique retirar-lhe a densidade das suas conclusões ou até mesmo das suas premissas. E isto só se conseguirá, incluindo, educando, formando, mas, acima de tudo, decidindo.
*Artigo publicado na página da Iniciativa Nacional Cidades Circulares