Andreia Delfim e Pedro Tavares, Câmara Municipal de Lagoa – Açores
Foto: Anne Zwickermann, Unsplash
O cenário com que nos deparamos na Região Autónoma do Açores, no que concerne à disponibilidade de água, é (ainda) genericamente contrário ao da maioria dos locais, principalmente da zona sul de Portugal Continental. No entanto, este cenário de grande disponibilidade, também se traduz em problemáticas que se vão acumulando ao longo dos anos e que nem sempre são de fácil identificação e resolução. Por um lado, fruto da aparente abundância do recurso e da qualidade na origem, a gestão da água foi sendo efetuada apenas na componente de disponibilidade ao consumidor, o que faz com que atualmente exista um “atraso” no desenvolvimento e modernização dos sistemas existentes. Por outro lado, a população, habituada a conviver com a abundância, tem dificuldade em perceber o valor do bem, e em perceber a necessidade real e urgente da sua preservação e conservação.
Assim, é premente a adoção de práticas holísticas e integradas desde a origem ao consumidor, bem como aproveitamento, através de mecanismos naturais, de períodos excessivos que minimizem períodos de escassez.
O concelho de Lagoa situa-se na zona central da costa sul da ilha de São Miguel, sendo delimitado a oeste pelo concelho de Ponta Delgada, a norte pelo concelho da Ribeira Grande, a este pelo concelho da Vila Franca do Campo e a sul pelo Oceano Atlântico. Possui uma área de 45,6 km2 e é constituído por cinco freguesias (Água de Pau, Cabouco, Nossa Senhora do Rosário, Ribeira Chã e Santa Cruz) e tem uma população residente de cerca de 14 442 habitantes.
As freguesias do Rosário e de Santa Cruz constituem a sede do concelho, na Cidade de Lagoa.
Imagem 1 – Freguesias do concelho de Lagoa
A geologia da ilha de São Miguel, onde se insere o concelho de Lagoa, é dominada pela ocorrência de três vulcões (Sete Cidades, Fogo e Furnas), o que permite compreender a origem das caldeiras de grande diâmetro que ocupam o topo destes aparelhos vulcânicos, sendo os aspetos geomorfológicos muito diversificados.
Do concelho de Ponta Delgada para o concelho de Lagoa desenvolve-se um alinhamento de inúmeros cones vulcânicos que se estendem entre o maciço vulcânico das Sete Cidades e o maciço vulcânico da serra de Água do Pau.
Aquele maciço da serra de Água do Pau, onde estão concentradas a grande maioria das captações de água para o concelho de Lagoa, compreende o vulcão central do Fogo, cuja caldeira, com cerca de 2,5 km por 3 km, se encontra ocupada pela lagoa do Fogo. As vertentes da zona central do Maciço da Serra de Água do Pau estão muito erodidas, com uma rede de drenagem bastante encaixada.
Nesta zona das encostas da Lagoa do Fogo localizam-se inúmeras linhas de água, algumas com caudal permanente, e nascentes alimentadas pelo sistema aquífero de Água de Pau, com importante recarga garantida pela massa de água da Lagoa do Fogo, que confere regularidade dos caudais disponíveis ao longo de todo o ano. Por este motivo, nesta zona da ilha e concentradas no concelho de Lagoa, localizam-se importantes captações de água por nascentes para abastecimento público, quer para o concelho de Lagoa, quer para os concelhos vizinhos de Vila Franca do Campo e de Ponta Delgada.
A água apresenta, no geral, boa qualidade, com reduzida dureza, podendo apresentar contaminação por microrganismos, cuja expressão está diretamente relacionada com a atividade agropecuária nos terrenos localizados a montante das nascentes.
De entre as várias medidas apontadas para a proteção dos recursos hídricos, a utilização racional e sustentável da água e recursos naturais, bem como a promoção da compatibilidade entre conservação da natureza, turismo, recreio e lazer, encaixam na perfeição no desenvolvimento do projeto que temos desenvolvido e que a seguir descrevemos.
Dar visibilidade a todo o ciclo da água, principalmente na parte urbana, onde o consumidor tradicional tem o recurso como adquirido e desconhece todo o sistema que o sustenta. É também importante (e atual) promover a aproximação ao espaço natural e às linhas de água em particular, perspetivando a sua valorização e reabilitação, mas também preservação, promovendo a vivência por parte da comunidade e o desenvolvimento de uma maior consciência ambiental enquanto elemento do ciclo urbano da água.
Quando em 2010 se iniciou o projeto de idealização de um conjunto de trilhos pedestres no Concelho, rapidamente o município elegeu como temática a água. Surge assim a Rota da Água que atualmente conta com mais de 30 Km de trilhos homologados pela Região Autónoma dos Açores e que leva todos quantos os percorrem a descobrir o traçado que a água faz desde a nascente até às populações, passando por pontes, aquedutos e túneis e que proporcionam de forma indescritível a sensação de comunhão entre a natureza e história do nosso concelho.
Facilmente se encontram adutoras em barro, ainda dos primórdios da sua instalação e persistem imponentes grande parte das pontes que, recorrendo a métodos de construção antigos, se podem encontrar ao longo dos traçados definidos.
Imagem 2 – Mapa global Rota da Água 2022
Conscientes do potencial que o projeto detinha para o desenvolvimento da comunidade, surgiu a proposta ao Orçamento Participativo Jovem, da reabilitação de um posto de leite devoluto para que este local fosse dedicado ao apoio aos visitantes da Rota da Água.
Rapidamente o projeto reuniu apoios e, com a concordância da entidade privada proprietária, e com dinheiros públicos aplicados de acordo com a vontade dos lagoenses, nasceu a Casa da Água Trail Point.
Imagem 3 – Casa da Água Trail Point
Em 2021 o número de visitantes da Casa da Água ultrapassou ligeiramente as 3.000 pessoas, tendo vindo a registar ao longo dos anos um aumento na ordem dos 35%, com a larga maioria (51%) referindo-se a turismo interno (nacional), repartindo-se os restantes visitantes como oriundos dos EUA, Alemanha, Espanha e Itália.
Assume, portanto, uma função de educação ambiental, dinamização de produtos turísticos e apoio a todos quantos iniciam/terminam a caminhada, sendo neste momento o líder de afluência nos recursos municipais vocacionados para este fim.
Ao longos dos últimos anos o município tem apostado e valorizado a dinamização da rede de trilhos para a comunidade através da organização de eventos culturais e desportivos naquele local sendo exemplo disso mesmo, festivais de música, paredes de escalas, celebrações de dias internacionais da água e das zonas húmidas, geocaching, orientação, MTB, passeios a cavalo e mindfulness.
Conhecidas e referidas, que foram as interpretações dos múltiplos significados do C em InC2, (como no artigo de fevereiro intitulado InC2 – Que representa o “C” afinal? de João Mourato), é com facilidade que que se destaca este como projeto como exemplo de Conhecimento e Capacitação, Cooperação, mobilização da Comunidade e mudança de Cultura.
*Artigo publicado na página da Iniciativa Nacional Cidades Circulares